Adilson de Paula Almeida Aguiar – Zootecnista, professor em cursos de pós-graduação nas Faculdades REHAGRO, na Faculdade de Gestão e Inovação (FGI) e nas Faculdades Associadas de Uberaba (FAZU); consultor associado da CONSUPEC – Consultoria e Planejamento Pecuário Ltda; investidor nas atividades de pecuária de corte e de leite.
Mês de outubro de 2024, período de transição da estação seca para a estação das chuvas na maior parte do território brasileiro. Eu poderia dedicar um tempo para escrever sobre o que tenho lido, ouvido e visto nos jornais, telejornais e redes sociais: uma reclamação generalizada sobre este período de seca, com muitos afirmando que é uma das mais longas e intensas, com a falta de chuvas por mais de 4 a 5 meses em várias regiões. Toda essa falação como se nunca tivesse havido uma seca igual ou mais severa reflete uma memória curta e um descompromisso com a ciência, com dados, informações e conhecimento sobre o clima no território brasileiro, acumulados por séculos. O mais preocupante nisso tudo é que essas reclamações não vêm apenas de pessoas leigas no assunto, nem somente de moradores de centros urbanos, mas também de agricultores, pecuaristas e, pior, de especialistas e técnicos.
Me lembro que, em 2016, fui fazer um ciclo de palestras em Alagoas, Bahia e Sergipe sobre como minimizar os efeitos da seca por meio de um correto manejo da pastagem. Havia regiões nesses estados com chuvas irregulares e abaixo da média há 8 anos, e as reclamações daquela seca eram generalizadas, como se fosse a pior da história. Então, fui estudar o fenômeno da seca na região de clima semiárido do Estado de Minas Gerais e dos Estados da região Nordeste para preparar a palestra. Uma das conclusões: considerando o período de 1583 a 2016, ou seja, 433 anos, houve 39 secas, e aquela última não foi a pior. Dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG) e registros históricos indicam que as piores secas registradas no semiárido mineiro e no Nordeste brasileiro ocorreram em 1939, 1975/1976, 1996/1997 e 2007/2008.
Espera aí, penso que já escrevi demais até aqui, pois concluí que será mais útil dedicar o mesmo tempo para escrever sobre o manejo da pastagem e o planejamento alimentar em sistemas de pastejo para o período de transição da estação seca para a estação das chuvas, já que essa transição e a estação seca ocorrem todos os anos.
De início chamo a atenção do leitor para a seguinte informação: na superfície terrestre onde há exploração de pastagens, uma das características marcantes dessa cultura é a sua estacionalidade de produção, caracterizada pela diferença de produção de forragem entre as estações do ano – primavera, verão, outono e inverno. Essa estacionalidade é condicionada pela variação em fatores de crescimento de plantas. Em termos gerais, em 36% da terra, aquela estacionalidade de produção é condicionada por baixas temperaturas, em 31% por déficit hídrico, em 24% por ambos, déficit hídrico e baixas temperaturas, e em apenas 9% da superfície terrestre não há restrições de fatores de crescimento de plantas. No território brasileiro, principalmente na região tropical, o déficit hídrico é o principal fator condicionante da estacionalidade de produção de forragem. Entretanto, mesmo em solos irrigados, não é possível eliminar totalmente a estacionalidade de produção de forragem por causa dos efeitos na variação da radiação solar, da temperatura e do fotoperíodo entre as estações do ano.
Como o ser humano não tem controle sobre os fatores fotoperíodo, radiação solar, temperatura e precipitação (distribuição e volume de chuva), os pecuaristas precisam planejar a alimentação dos seus rebanhos ao longo do ano. Quando se trata de manejo da pastagem e de planejamento alimentar em sistemas de pastejo, considerando as dimensões quase continentais do Brasil, com sua diversidade climática, é importante a caracterização dessa diversidade para melhor compreensão do que será abordado nessa sequência de artigos.
Primeiro existem dois tipos climáticos principais no Brasil, o tropical, acima do trópico de Capricórnio, e o subtropical, abaixo deste paralelo que está no hemisfério sul da Terra na latitude de 23º 26´e 14´´ sul. Acima deste paralelo, na região tropical do país, para fins de planejamento alimentar divide-se o ano em duas estações, seca e chuva; por outro lado, abaixo daquele paralelo, para os mesmos fins, dividem-se o ano nas estações de primavera/verão e de outono/inverno.
Do território brasileiro, 92% encontra-se no hemisfério sul, 93% na zona tropical e neste artigo vamos trabalhar na região tropical do país, que é a mais representativa para a pecuária nacional, principalmente a de corte. Para fins de foco bem como de extensão do texto, este artigo será específico para a pecuária de corte bovina, embora os fundamentos que serão aqui descritos se aplicam com as devidas particularidades aos sistemas de produção de carne de outras espécies herbívoras, de lã e de leite.
Considerando agora apenas a região tropical, ainda é preciso fazer outra classificação: a maior parte das regiões dentro da zona tropical tem seu período chuvoso nas estações de primavera (22 de setembro a 21 de dezembro) e verão (21 de dezembro a 22 de março). Entretanto, acima da linha do Equador, já no hemisfério norte, e na faixa litorânea de parte da Bahia (mais ao norte deste estado) e dos outros estados nordestinos, o período chuvoso ocorre entre o final do verão até o final da estação de inverno. Neste artigo, vamos trabalhar na região tropical do país onde o período chuvoso ocorre nas estações de primavera/verão, ou seja, entre setembro e março.
Posto isso, é preciso enfatizar que a primavera nesta região onde vamos trabalhar é a estação mais favorável para a produção vegetal e animal. É a estação na qual o fotoperíodo aumenta até o dia 21 de dezembro, a temperatura está em ascensão, começam as chuvas, ocorre incorporação de nitrogênio e enxofre ao solo proveniente da atmosfera, começa a decomposição de material orgânico e a mineralização da matéria orgânica do solo, com tudo isso ocorre uma explosão de crescimento da pastagem, se esta é bem manejada. Sob o ponto de vista do componente animal é a estação em que a taxa de fertilidade de fêmeas e machos em reprodução é maior e que o desempenho individual é maior em todas as categorias animais do rebanho desde que estejam bem alimentados, nutridos, livres de parasitos e doenças e em conforto.
Por outro lado, diga-se de passagem, este período é o mais crítico dentro de uma perspectiva de planejamento alimentar em sistemas em pasto, principalmente quando o manejo da pastagem vem acumulando erros desde a estação chuvosa anterior, quando não, já há muitos anos. A seguir algumas ocorrências que impõem desafios ao pecuarista e sua equipe de funcionários, e torna o planejamento alimentar mais complexo neste período:
Em fazendas onde a pastagem foi superpastejada (taxa de lotação acima da capacidade de suporte da pastagem) com o início das primeiras chuvas vem uma rebrota composta por folhas tenras, com baixo conteúdo de matéria seca e de fibra, com alta digestibilidade, que passa rapidamente pelo trato digestivo do animal, provocando diarreias, perdas de peso e de condição corporal. Por outro lado, sob o ponto de vista da planta forrageira, esta é consumida com alta intensidade e alta frequência, o que leva ao esgotamento de suas reservas, e possível degradação do estande de plantas. Sob o ponto de vista do solo, este pode ficar adensado, levando à compactação e a possível erosão. Com estes erros acumulados a pastagem deixa espaços que são dominados por plantas daninhas. Aquela planta forrageira tenra é mais suscetível ao déficit hídrico ocorrido durante as estiagens (veranicos) como também aos insetos-praga cortadores (formigas, lagartas).
Em fazendas onde a pastagem foi subpastejada (taxa de lotação abaixo da capacidade de suporte da pastagem) desde a estação chuvosa anterior com a chegada das chuvas aquela alta massa de forragem que sobrou, está seca e os tecidos da planta mortos. Com as primeiras chuvas, as folhas secas e mortas se desprendem dos perfilhos e caem ao solo e, na planta ficam os caules com perfilhos aéreos, a estrutura do pasto está comprometida, com touceiras altas e com muitos talos, circundadas por plantas baixas que vêm sendo superpastejadas. As plantas altas e o excesso de palha sobre o solo retardam a rebrota inicial da pastagem por sombreamento das gemas basais e pela imobilização de nutrientes na decomposição da grande quantidade de palha (nitrogênio, fósforo e enxofre). Por outro lado, a espessa camada de palha cria ambiente favorável para a sobrevivência e proliferação de insetos-pragas, particularmente cigarrinhas que atacam pastagens, e de fungos que podem causar distúrbios nos animais. Além disso, a espessa camada de palha tem sido uma das causas da morte de plantas forrageiras em muitas regiões do país.
Estas duas condições de pressão de pastejo não serão resolvidas facilmente nesta transição seca/chuva 2024-2025. Aqui a orientação é o pecuarista e sua equipe se prepararem para manejar bem a pastagem na próxima estação chuvosa para não cometer os erros do passado e chegar ao período de transição seca/chuva 2025-2026 melhor preparados.
Na segunda parte dessa sequência de artigos descreverei as ações que o pecuarista precisa estar preparado para enfrentar este período de transição seca/chuva.
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